segunda-feira, 25 de novembro de 2024

“A função do riso é transformar a tragédia em comédia”, diz Alexandre Penha, da Escola de Palhaço

Fundador da Escola de Palhaço esteve em Dourados neste final de semana. Confira a entrevista.

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João Pires

 

Alexandre Penha é idealizador da Escola de Palhaço, sediada em Maringá - PR (Foto - João Pires)

 

Alexandre Penha (32) é o idealizador da Escola de Palhaço, em Maringá (PR). Ele esteve em Dourados neste final de semana (5 e 6), onde ministrou curso sobre ‘palhaçaria’. Ao Estado Notícias ele conta como surgiu o grupo paranaense a partir do projeto Terapia da Alegria, muito conhecido em trabalho em hospitais. Leia a entrevista:

 

EN – Quantas pessoas compõe o grupo?

 

ALEXANDRE – Existem vários projetos dentro do grupo, sendo que o principal é o Terapia da Alegria, composto de 14 artistas, que tem 16 anos de existência. Já a Escola de Palhaço é formada por quatro pessoas.

 

EN- Como surgiu o projeto Terapia da Alegria?

 

ALEXANDRE – Havia uma carência de artistas, que é muito comum. Artistas preparados para o trabalho de palhaços em hospitais e a partir de 2011 tivemos a necessidade de aumentar nosso quadro de artistas. Éramos compostos por seis artistas. Então a gente abriu um processo de estudo, que foi a Escola de Palhaço, e como isso gerou bons frutos decidimos continuar. De Maringá começou a surgir convites para dar este curso em vários lugares do Paraná, e até fora do Brasil.

 

EN- Você sempre esteve inserido nesta equipe?

 

ALEXANDRE – Sim, o Terapia da Alegria já tem 15 anos de existência e começamos como qualquer projeto pioneiro dentro da nossa cidade, com alguns poucos participantes. Daí vem a demanda em não só atender hospital, mas também o asilo e outros espaços, como exemplo a gente atende o hospital psiquiátrico da cidade com um trabalho bem específico. Então veio essa necessidade, foi quando eu fundei em 2011 a Escola de Palhaço e com essas questões de agenda temos outras pessoas que trabalham, mas ficam mais em Maringá.

 

EN- Qual a tua formação de aprendizado? 

 

ALEXANDRE – Esta é uma é uma das perguntas mais interessantes para o palhaço [risos]. A minha formação acadêmica é em História e Artes Cênicas, pela Universidade Estadual de Maringá e hoje estou no processo de mestrado. São três campos de atuação bem diferentes, mas que colaboram muito na atuação do palhaço. No Brasil não existe nem uma universidade específica de palhaço e o que nós temos são cursos esporádicos com alguns formadores, mas nada de longa duração e que possa ser emitido um certificado em nível universitário.

 

EN – E a experiência? No que contribuí?

 

ALEXANDRE – Então, a minha formação foi acima de tudo pela experiência, pelo trabalho e também por fazer curso, ter contato com outros palhaços, como palhaços de hospital, teatro e circo. Foi uma junção de várias teorias e mestres e também muita leitura, pois tem muito material também para a pesquisa de palhaço teórico. Foi uma formação muito ampla e é óbvio que a minha formação em Artes Cênicas me ajudou muito nesse processo do palhaço, mas eu vou dizer pra você que 50% do palhaço é a prática. É o contato com o dia a dia.

 

EN – Vocês fazem palestras em vários estados?

 

ALEXANDRE – Isso, recebemos convites tanto para apresentações como também cursos. Normalmente temos pensado em dar este suporte para grupos, como estamos fazendo aqui em Dourados neste final de semana, dando suporte para um grupo que já existe e de alguma maneira precisa ter novos aprendizados e refinar o trabalho. Esse é o nosso foco de atuação e o nosso objetivo, que é potencializar os grupos na arte do palhaço.

 

EN – O que são abordados no curso?

 

ALEXANDRE – Então, existem muitas questões interessantes no palhaço, que são questões universais, como exemplo, no aspecto do uso da máscara. Quando o palhaço coloca um nariz vermelho, aquilo lá é uma máscara e então existe toda uma técnica por trás daquilo. É uma técnica milenar, que vem desde lá do Egito, onde os artistas já usavam máscaras e a gente pode de alguma maneira fazer um paralelo com a máscara do palhaço. No Egito eles usavam a máscara de um personagem que estava muito ligado ao gato. Depois a gente vai para a Grécia […]. Então basicamente no curso a gente trabalha muito esta questão dessa técnica do palhaço, nós fazemos o batismo do palhaço, que é uma tradição circense milenar em que o palhaço mais velho batiza o mais novo com o nome e muito trabalho corporal, como você desenvolve seu corpo para que ele seja um corpo cômico e que gere graça. São alguns aspectos que a gente pontua.

 

EN – Estas técnicas podem ser utilizadas em que locais?

 

ALEXANDRE – Como estas técnicas são universais, podem ser aplicadas em qualquer espaço. Nós já tivemos a oportunidade de apresentar em teatros, circos, instituições, igrejas… Hoje, a gente comenta que o palhaço pode estar em todos os lugares, pois ele trabalha acima de tudo a paródia humana. De alguma maneira, com respeito, ele tira sarro do próprio ser humano. Onde tiver ser humano o palhaço pode entrar e é por isso que ele toma todos os espaços […]. Aquela figura do palhaço que só era do circo quase não existe mais.

 

"Aquela figura do palhaço que só era do circo quase não existe mais", disse ao Estado Notícias (Foto - João Pires)

 

EN – Você tem alguma experiência que te marcou?

 

ALEXANDRE – Existem milhões de histórias. Teve uma que aconteceu em um hospital, onde a gente foi atender uma criança que ainda estava na recepção e não tinha entrado para consulta. Ficamos brincando com ela uns 10 minutos, pois estava acompanhada com o pai e, quando fomos finalizar nossa visita perguntamos: O que você tem?. E a menina olha pra gente e fala assim: “Vixe! Eu nem lembro…”. Então ela esqueceu da doença e de alguma maneira a dor não estava mais sendo sentida. Isso pra gente é gratificante.

 

EN – Mais algum caso?

 

ALEXANDRE – Em 2016 e 2017 fizemos um trabalho com refugiados sírios e iraquianos da Jôrdania, onde concentra o maior número de refugiados da Síria. Nós fizemos um trabalho com uma mãe refugiada que tinha três filhos e brincamos com eles. No dia seguinte fomos visitar a família e recebemos um retorno muito gratificante, quando ela disse assim: “Desde que a gente chegou da Síria eu não havia visto meus filhos sorrirem. Então quando vocês chegaram e começaram brincar eu vi meus filhos sorrindo e queria agradecer vocês!”. É lógico que ela contou isso em árabe e a gente não entendeu nada [risos]. Teve intérprete. Ela falava muito “šukran”, que é o ‘obrigado’. São pequenas histórias que pra gente tem o peso e a certeza que tem funcionado, de uma maneira muito simples.

 

EN – Com relação ao trabalho nas igrejas. É bem aceito?

 

ALEXANDRE – Na questão principalmente do palhaço isto é interessante, por ele ser uma figura milenar. Cada um acredita num mito. Por exemplo, na criação de Adão e Eva, no princípio quando existia o ser humano já existia o palhaço, pois,  o palhaço é aquele tira sarro de si mesmo ou de uma situação que aconteceu. Eu sempre brinco, que um dos primeiros momentos do palhaço (pensando na questão do Evangelho), quando você lê em Gênesis e a criação do mundo, existe um momento em que Deus se separa com Adão para dar nome aos animais. Penso que neste momento foi um dos mais engraçados, pois quando Adão olha para um dos animais e fala: “Olha, esse vai se chamar Ornitorrinco”, deve ter sido muito cômico.

 

EN – Existe preconceito?

 

ALEXANDRE – Em algumas igrejas evangélicas existe sim esta barreira, por conta talvez de algumas tradições que veiculavam o palhaço a figuras medievais que eram parecidos com pequenos ‘capetas’ ou pequenos ‘diabinhos’ e eles participavam em feiras livres e eram muito comum ali a encenação da Paixão de Cristo e, no público isso fazia parte do teatro, ver as pessoas fantasiadas de ‘diabinhos’ para ficar atentando o público. As pessoas veiculavam muito o palhaço que a gente tem hoje e que necessariamente não tem a ver, mas que por muito tempo acreditou-se nisso. Algumas igrejas ainda tem essa barreira e eu acho que a melhor coisa para quebrar isso é o conhecimento.

 

EN – É aplicação e resultado?

 

ALEXANDRE – Um dos principais tópicos na aplicação do curso é: “Qual a função do riso?, e “Porque a gente ri?”. Eu penso que é uma das dádivas da criação do homem, pois só o ser humano da risada. E se Deus criou esta capacidade existe um porquê disso. A função do riso é transformar a trajédia em comédia, pois quando a gente faz essa transformação conseguimos suportar a existência, suportar a vida. Existe uma função pra isso e é uma dádiva do Criador, uma benção que o homem tem, pois se ele fosse ter consciência de tudo que ele passou na vida seria muito pesado. O riso serve para relaxar a vida e a gente levar de uma maneira mais aceitável. Não é a toa.

 

EN – O palhaço é triste?

 

ALEXANDRE – Esta é uma pergunta bem filosófica. Uma das lendas mais tradicionais do palhaço que repercute e tem personagens que tomam pra si é o dia que o palhaço vai ao médico, pois está muito triste, e o médico pergunta: “O que você tem?”, e ele responde: “Estou muito triste” e o cara diz assim: “Então vai no circo aqui da cidade, tem um palhaço fantástico, ele é muito bom e você vai rir muito e vai tirar essa tristeza”. E ele diz assim: “Doutor, esse palhaço sou eu…”. Então, eu acho que não necessariamente nenhum palhaço é em si triste. A questão é que como palhaço vai trabalhar a tragédia, ele sempre tem que estar próximo da tragédia para transformar ela em comédia. Assim, a gente sempre olha e pensa “esse palhaço é triste”. Como o grande palhaço ‘Carlitos’, do Charles Chaplin, que na maior parte que a gente está olhando parece que ele está triste e que na verdade, é este poder de transformar toda está tragédia…

 

EN – Sensibilidade?

 

ALEXANDRE – Isto, o palhaço tem que se muito empático, é se colocar no lugar do outro. É por isso que há 32 anos começou esta ideia de um palhaço se parodiar de médico e entrar no hospital. É muito recente. O palhaço tem esse poder, através da máscara, de se colocar e entender a tragédia do outro e transformar em comédia para suavizar.

 

EN – Primeira vez em Dourados?

 

ALEXANDRE – Já viemos algumas vezes em outros motivos, apresentações em igreja e um tempo atrás para jogar beisebol com os japoneses, pois temos um time em Maringá e viemos pra isso. Aqui é a primeira vez dando curso. O povo é muito bacana, muito receptivo, gosto muito de Dourados, apesar do calor [risos]. Maringá é mais tranquilo.

 

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