Entidades civis tentam furar o bloqueio do Governo do Mato Grosso ao fornecimento de água e comida para animais silvestres vítimas da seca em áreas protegidas estaduais. A administração Mauro Mendes (União Brasil) afirma que ajuda não é necessária e arrisca a vida da fauna.
Mais de 2,3 milhões de ha, quase 16% do Pantanal ou uma área maior que a de Sergipe, já torraram desde janeiro, estima o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O cenário foi pintado por uma das piores secas do último século, pela crise do clima e pelo fogo insistentemente usado para renovar pastagens para gado. Incêndios criminosos são investigados.
Governos federal, de estados e municípios pantaneiros decretaram situação de emergência e mobilizaram brigadistas do país todo para enfrentar as persistentes chamas.
Produção rural, turismo e outras economias são abaladas, mas o fogo não respeita barreiras naturais ou humanas. Inúmeros animais morrem queimados, de fome e sede, dentro e fora de unidades de conservação.
“A gente está tendo que assistir os animais padecendo de sede”, relata a veterinária e bombeira civil Carla Sássi, fundadora do Grupo de Resposta a Animais em Desastres (GRAD). O time de voluntários atende emergências com animais silvestres e domésticos em todo o país.
Uma das áreas afetadas é a Estrada Parque Transpantaneira, cujos 145 km ligam Poconé a Porto Jofre. No trecho, a água acumula naturalmente nas cheias pantaneiras, sobretudo junto às suas 125 pontes. Mas a secura transformou quase tudo em poças de lama, onde animais chafurdam buscando água. Nos 30 km de uma das porções mais secas da Transpantaneira, só quatro pontos ainda tinham água.
“A biodiversidade será prejudicada do curto ao longo prazos. Além da mortandade de animais, variadas espécies não conseguirão migrar para outras áreas e não conseguirão se reproduzir devido ao sofrimento gerado pelo fogo, fome e sede”, alerta Carla Sássi.
Daí o protesto do GRAD e de outras entidades civis pelo bloqueio do Governo do Mato Grosso à ajuda para animais silvestres em áreas protegidas estaduais. Ações em fazendas e áreas protegidas federais não foram interrompidas.
“É inadmissível que o órgão estadual proíba a atuação do terceiro setor e das comunidades na mitigação dos impactos da seca extrema sobre a fauna silvestre”, diz a bióloga Luciana Leite, Defensora da Biodiversidade e do Clima no braço brasileiro da Environmental Justice Foundation (EJF). No fim de agosto, o Ministério Público do Mato Grosso notificou a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema/MT) para fornecer água e comida à fauna silvestre, em pontos onde havia água em 2023.
Em anos anteriores, a instalação de bebedouros e oferta de comida ao longo da Transpantaneira foi crucial para salvar inúmeros animais, avaliam as entidades civis. Seca e incêndios de 2020 queimaram ¼ do Pantanal e mataram estimados 17 milhões de animais. De lá para cá, o bioma segue castigado.
“É inaceitável que o órgão alegue que o cenário é ‘normal’, especialmente em contrariedade às evidências apresentadas por diversos pesquisadores que afirmam que esta se trata de uma seca histórica”, aponta a bióloga Luciana Leite (EJF).
Quanto às medidas adotadas este ano contra a seca e incêndios, a Sema/MT lista a contratação de veterinários e compra de veículos, um posto para atender emergências com animais silvestres na região da Transpantaneira, implantação de aceiros, poços e açudes que servem de bebedouros e abrigos para animais.
O órgão elencou igualmente o cadastro de voluntários para atuar em áreas protegidas estaduais, a intensificação do monitoramento de fauna silvestre no Pantanal e a capacitação de profissionais para manejo e contenção da fauna silvestre em eventos extremos, como incêndios florestais.
Fonte: ECO