Fazia sete anos que a operadora de caixa Jaqueline Chagas, então com 35 anos e hoje com 46, ouvia do ginecologista que o caroço que deformava seu seio era benigno.
“Dava para sentir o nódulo no abraço”, relembra.
O que ela não sabia é que fazia parte de uma tendência crescente no Brasil e no mundo: o aumento de casos de câncer em pessoas de até 50 anos.
Entre 2013 e 2024, o número de diagnósticos nessa faixa etária cresceu quase quatro vezes (84%) no Sistema Único de Saúde (SUS) — de 45,5 mil para 174,9 mil casos, segundo um levantamento com dados do painel DataSUS.
Os tumores de mama, colorretal e fígado estão entre os que mais crescem nesse grupo.
O câncer de mama lidera os diagnósticos, com alta de 45% entre 2013 e 2024 e mais de 22 mil novos casos anuais de mulheres de até 50 anos registrados no SUS.
Foi durante uma mamografia de urgência que Jaqueline descobriu o diagnóstico. “A médica que me examinava olhou para a colega dela e disse: ‘Mais uma jovem com câncer de mama, essa é a terceira hoje’. Foi assim que descobri que tinha câncer”, conta.
“Eu congelei. Primeiro, tive certeza de que morreria. Depois, pensei na minha mãe”
Brasil tem lacuna de dados
O diagnóstico de Jaqueline foi carcinoma grau 3 localmente avançado. Vieram oito sessões de quimioterapia, uma mastectomia radical e complicações graves durante o tratamento no Instituto Nacional do Câncer (INCA), no Rio de Janeiro.
Na sexta quimio, Jaqueline teve neutropenia (queda brusca dos leucócitos, responsáveis pela defesa do organismo) e sepse, uma infecção generalizada grave que, segundo os médicos, poderia ser fatal.
“Disseram ao meu marido que eu tinha poucos dias de vida. Lembro de pensar que não veria mais minha casa. Depois de uma semana, os leucócitos começaram a reagir”, diz.
Assim como Jaqueline, a maioria dos pacientes com diagnóstico precoce passa pela rede pública, onde estão concentrados os registros: 75% da população é atendida pelo SUS.
Aumento do câncer colorretal
Entre os tumores que mais crescem na faixa de até 50 anos, o colorretal — que inclui os de cólon, reto e canal anal — é um dos que mais preocupam os médicos.
De acordo com dados do DataSUS, os diagnósticos passaram de 1.947 em 2013 para 5.064 em 2024, um crescimento de 160% no período.
“É uma doença de estilo de vida. Só 5% dos casos são hereditários; mais de 90% têm relação com alimentação, sedentarismo e obesidade”, explica Samuel Aguiar, líder do Centro de Referência de Tumores Colorretais do A.C.Camargo Cancer Center e diretor do programa de Residência Médica.
Segundo o médico, o aumento ocorre justamente em uma geração exposta desde a infância a dietas industrializadas, excesso de gordura corporal e pouco movimento físico.
Outro fator que justifica o boom é a baixa adesão ao rastreamento precoce, já que a colonoscopia, principal exame de detecção, ainda é pouco realizada antes dos 50 anos.
“Muitos pacientes jovens são diagnosticados em estágios avançados porque os sintomas são confundidos com hemorroidas ou alterações intestinais leves. Falta cultura de prevenção nessa faixa etária”, completa Aguiar.
Prevenção e rastreamento
Médica nuclear pelo Instituto Nacional do Câncer (INCA) e coordenadora do PET/TC da Clínica Villela Pedras, Sumara Abdo reforça que o sistema ainda não está preparado para diagnosticar precocemente pacientes jovens.
“Os protocolos de rastreamento ainda são voltados para pessoas acima dos 50 anos. Mas a realidade mudou. Já temos evidências de que tumores como o de mama e o colorretal vêm aumentando muito antes dessa idade”, diz.
Sumara defende incluir pacientes jovens em programas de prevenção e diagnóstico precoce, com foco em histórico familiar, obesidade e sintomas persistentes.
Fonte: Portal G1