terça-feira, 7 de maio de 2024

Cid diz à PF que ‘radicais’ ligados a Bolsonaro eram a favor ‘de braço armado’

Cid relatou a existência de núcleo mais radical envolvido em trama antidemocrática; ex-presidente pressionava aliados para identificar suposta fraude nas urnas, jamais comprovada

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O tenente-coronel Mauro Cid, durante depoimento em CPI do Distrito Federal — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), afirmou em depoimento à Polícia Federal que havia no entorno do ex-presidente um grupo de aliados “radicais” favorável a “um braço armado” no plano golpista.

Segundo o relato do militar, após o ex-presidente decidir reverter o resultado das eleições em 2022, haveria o apoio de Colecionadores, Atiradores e Caçadores (CACs).

“Que o segundo grupo de ‘radicais’ era a favor de um braço armado; que gostariam de alguma forma incentivar um golpe de estado; que queria que ele [Bolsonaro] assinasse o decreto; que acreditavam que quando o presidente desse a ordem, ele teria o apoio do povo e dos CACs”, disse Cid em depoimento à PF. O militar firmou uma delação premiada, já homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O governo de Jair Bolsonaro concedeu em média 691 registros de novas armas por dia para CACs entre 2019 e 2022, conforme mostrou levantamento feiro pela reportagem. Ao todo, foram concedidos 904.858 registros para aquisição de armas ao longo de quatro anos, sendo 47% desse total liberados em 2022, de acordo com dados do Exército obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.

Cid também relatou ao investigadores que o grupo radical no entorno de Bolsonaro queria o ex-presidente assinasse o decreto golpista com base em uma interpretação distorcida do artigo 142 da Constituição Federal, que trata do papel das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem. O tema já havia sido decidido pelo STF, que descartou a hipótese de o poder civil se submeter ao militar.

Segundo o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente da Corte, “nenhum elemento de interpretação – literal, histórico, sistemático ou teleológico – autoriza dar ao artigo 142 da Constituição o sentido de que as Forças Armadas teriam uma posição moderadora hegemônica”.

Em depoimento à PF, Cid contou que o ex-presidente pressionava aliados para uma identificação de suposta fraude nas urnas, uma especulação que foi descartada por diversas instituições e pelas próprias Forças Armadas durante o processo eleitoral.

“Jair Bolsonaro queria uma atuação mais contundente do general Paulo Sérgio em relação à Comissão de Transparência das Eleições montada pelo Ministério da Defesa”, afirmou o ex-ajudante de ordens em sua delação premiada.

A PF afirma que, de acordo com o material analisado, havia duas frentes de atuação, uma mais conservadora, que agia para desacreditar as urnas eletrônicas e o processo eleitoral, e uma segunda, que defendia ações “que resultariam em uma ruptura do Estado Democrático de Direito por meio de decretação de Estado de Defesa”, diz trecho do relório da investigação.

Cid não especificou neste trecho da delação quem integrava o que ele intitula como “segundo grupo de radicais”, que defendia uma ação militar. Cita apenas alguns nomes que, segundo ele, compunham o primeiro grupo, como o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o major da reserva do Exército Angelo Martins Denicoli.

Cid disse ainda que Bolsonaro costumava repassar “possíveis denúncias” de fraudes nas urnas sem fundamento para Pazuello, e para o ex-ministro da Saúde, e Paulo Sérgio, então ministro da Defesa, “para que fosse apuradas”.

Segundo o militar, além de Pazuello e Paulo Sérgio, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e o major da reserva do Exército Angelo Martins Denicoli também apoiavam Bolsonaro na investida contra as urnas. “O grupo tentava encontrar algum elemento concreto de fraude, mas a maioria era explicada por questões estatísticas; que o grupo não identificou nenhuma fraude”, disse Cid à PF.

De acordo a delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) também integraria o grupo empenhado em desacreditar as urnas eletrônicas. Segundo Cid, o senador usava um documento do Ministério Público Militar que dizia que o Brasil estava em GLO (Garantia da Lei e da Ordem), por causa das eleições, e que por isso as Forças Armadas poderiam pegar uma urna eleitoral sem autorização do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para realizar testes de integridade.

Em nota, o senador disse que “em nenhum momento” cogitou, afirmou ou mesmo pensou em “sequestrar, ou confiscar uma urna eletrônica”. “As ações que empreendi após as eleições de 2022 são de domínio público e estão devidamente documentadas, não se baseiam em conjecturas ou delações”, diz Heinze, em nota.

Procurada, a assessoria de Pazuello afirmou que o deputado decidiu não se manifestar sobre as denúncias. Já a assessoria de Valdemar disse só vai se posicionar nos autos. A defesa de Paulo Sérgio esclareceu que o ex-ministro da Defesa “sempre agiu corretamente, é inocente e confia na Justiça”. A defesa de Bolsonaro ainda não respondeu.

Fonte: Portal G1

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