Giovana Colletti (*)
Nos últimos meses, semaglutida e tirzepatida se tornaram o assunto preferido nas conversas sobre saúde e, curiosamente, o menos falado nas consultas médicas.
O que era um tratamento para diabetes tipo 2 se transformou em símbolo de uma promessa: emagrecer rápido, sem esforço, sem dieta, sem terapia, sem processo. A promessa é tentadora e justamente por isso, perigosa, mas o ponto crítico aqui não é o que estamos usando, é como e por que estamos usando.
O apelo por uma solução imediata para um problema multifatorial revela algo mais profundo do que uma simples tentativa de perder peso, revela um mal-estar moderno: a incapacidade de lidar com o tempo, com a espera, com o processo. Vivemos em um ambiente onde o corpo é tratado como vitrine e a saúde como performance.
O uso dessas medicações explodiu de forma tão acelerada que hoje é impossível ignorar o fenômeno social que elas representam. O que antes exigia anos de reeducação alimentar, acompanhamento multiprofissional e acima de tudo paciência, agora parece caber em uma seringa semanal, mas a pressa em emagrecer tem um custo e o corpo costuma cobrar com juros.
O problema é o uso indiscriminado sem avaliação médica adequada, sem acompanhamento nutricional e, muitas vezes, sem sequer entender o que o fármaco faz no organismo. Esses medicamentos atuam retardando o esvaziamento gástrico e modulando a saciedade via sistema nervoso central, traduzindo: a pessoa sente menos fome e come menos.
Só que o corpo não segue uma matemática básica, ele não responde a comandos simples, ela é muito mais inteligente do que pensamos e sintomas como náuseas, vômitos, constipação, refluxo, tontura e até pancreatite são efeitos adversos documentados, mas frequentemente minimizados ou ignorados.
O discurso público se restringe ao número na balança, não aos marcadores clínicos. Há quem comemore perder dez quilos em um mês sem perceber que junto com o peso foram embora massa muscular, reservas energéticas e até a relação saudável com o próprio corpo.
A promessa de emagrecer sem esforço alimenta um ciclo de dependência estética e aqui mora a ironia porque a pessoa acredita estar cuidando de si, mas está apenas trocando uma forma de negligência por outra. É comum ver quem usa o medicamento como “atalho” voltar a ganhar peso após a suspensão do uso justamente porque nada mudou na base comportamental.
O cérebro ainda busca o conforto alimentar, o corpo ainda reage ao estresse com fome, e a rotina ainda é incompatível com o autocuidado. A medicação vira muleta, não ferramenta. A busca pela magreza imediata repete um velho erro com roupagem moderna: querer resultados sustentáveis com soluções instantâneas.
O que muda agora é que o remédio é de última geração, mas o pensamento ainda é do século passado. Essa lógica não é só perigosa, é anticientífica porque ignora o contexto metabólico, o histórico alimentar, a saúde mental, os marcadores laboratoriais e a capacidade do paciente de sustentar as mudanças necessárias quando o medicamento sair de cena.
O verdadeiro problema não é o uso de medicamentos, é a forma descontextualizada com que estão sendo usados. Essas drogas podem ser peças chave em protocolos bem conduzidos, especialmente em casos de obesidade resistente, síndrome metabólica e diabetes tipo 2, mas o modo como estão sendo incorporadas transforma um tratamento em espetáculo onde vemos o uso de remédios para corrigir sintomas gerados por uma sociedade que adoece de imediatismo.
Comemos rápido, dormimos pouco, nos movemos menos e ainda esperamos que a química resolva o que a biologia tenta gritar: que estilo de vida não se terceiriza.
O motivo é ainda mais preocupante, visto que a maioria das pessoas que recorre a esses medicamentos não busca saúde, mas pertencimento. Pertencer à estética do corpo enxuto, ao discurso da disciplina, à ilusão de controle, enquanto isso, hábitos continuam desorganizados, exames continuam negligenciados e o sistema de saúde continua sobrecarregado por doenças que nenhum remédio é capaz de prevenir sozinho, mas enquanto a pressa continuar valendo mais que a consistência, o remédio continuará servindo para calar sintomas, não para curar causas.
É urgente deslocar o foco da perda de peso para a ganho de consciência: sobre alimentação, sono, estresse, ciclo hormonal e microbiota. A verdadeira transformação metabólica não acontece na seringa, acontece na rotina invisível, silenciosa e difícil, mas duradoura.
(*) Nutricionista – Pós-graduada em Nutrição Estética, Esportiva e Saúde da Mulher