sábado, 15 de novembro de 2025

O que o ‘PIX da Índia’ revela sobre ofensiva de Trump contra o PIX brasileiro

Sistema de pagamentos instantâneos da Índia é anterior ao PIX e também desenvolvido por iniciativa do governo, mas tem ficado fora do escrutínio dos EUA na força-tarefa montada em torno do tarifaço de Donald Trump

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Pix é um dos sistemas com adoção mais rápida no mundo (Foto: Divulgação)

O sistema de pagamentos instantâneos da Índia, o Unified Payments Interface (UPI), é anterior ao PIX brasileiro, maior, tem mais funcionalidades e também foi desenvolvido a partir de uma iniciativa do governo.

Ele tem ficado, entretanto, fora do escrutínio dos Estados Unidos na força-tarefa montada em torno do tarifaço de Donald Trump, enquanto o PIX é alvo de uma investigação comercial aberta pelo governo americano em 15 de julho e ainda em andamento.

O PIX foi colocado na lista de supostas práticas “desleais” que vêm sendo analisadas pelo Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês), que se refere a ele indiretamente no documento em que detalha a investigação como “serviço de pagamento eletrônico desenvolvido pelo governo”.

A medida ensejou comentários de figuras como o economista Paul Krugman, ganhador do prêmio Nobel, que elogiou o sistema brasileiro de pagamentos, e manifestações frequentes do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em defesa da plataforma.

A Índia chegou a ser penalizada na última semana pelos EUA com uma tarifa adicional de 25% — o que elevou a alíquota incidente sobre seus produtos ao mesmo patamar do Brasil, 50% —, mas o motivo foi a compra de petróleo da Rússia, país que é alvo de sanções americanas.

O UPI segue fora do radar do protecionismo da gestão Trump.
Nesse sentido, a BBC News Brasil conversou com especialistas em meios de pagamento e um analista de relações internacionais para entender as semelhanças e diferenças entre o modelo indiano e o brasileiro, comparação que pode lançar luz sobre as razões que levaram o governo americano a colocar o PIX em sua linha de tiro.

Google Pay é um dos principais provedores usados com UPI — Foto: Getty Images via BBC

A origem do UPI

O Unified Payments Interface (UPI) surgiu em 2016, quatro anos antes do PIX existir no Brasil, com características parecidas: um sistema de pagamentos instantâneo, usado tanto para transferir recursos de pessoa para pessoa quanto para realizar compras, que funcionava 24 horas por dia, de forma gratuita e sem a necessidade do uso de dados bancários como número da conta e agência.

Ele foi parte de uma iniciativa em larga escala do governo indiano para promover a digitalização no país. Batizada de India Stack, o projeto incluiu o lançamento de um RG digital e até a desmonetização de boa parte das cédulas que circulavam no país, para desincentivar o uso de dinheiro físico.
O UPI foi desenvolvido por um consórcio de entidades financeiras (National Payments Corporation of India, NPCI) reunido por iniciativa do Banco Central da Índia.

Juntos, eles montaram a infraestrutura por trás da plataforma, que se tornou o principal meio de pagamento no país, respondendo hoje por 83% das transações digitais.

O dado é de um relatório divulgado em janeiro pelo Banco Central, que ressalta que o UPI “impulsionou a Índia à vanguarda no fornecimento de soluções de pagamento digital como um ‘bem público'”, abordagem que teria “potencial para ser replicada em outros países”.

Hoje cerca 500 milhões de indianos usam o serviço, conforme os números divulgados em julho pelo governo, e o sistema processa mais de 18 bilhões de transações por mês.

Consórcio indiano também lançou cartão de crédito e débito, chamado de RuPay

Pagamento offline e comando de voz

Também por ter sido lançado primeiro, o UPI apresentou uma série de soluções que, com o tempo, foram sendo incorporadas pelo PIX.

A modalidade que permite que pagamentos recorrentes sejam feitos de forma automática, por exemplo. Recém-lançada no Brasil como PIX automático, ela existe no UPI desde 2020, observa Sulivan Rocha, especialista em meios de pagamentos que já trabalhou como consultor na área.

E há ferramentas que ainda não apareceram aqui no Brasil, como a possibilidade de realizar pagamentos offline (muito útil na Índia, por exemplo, para usuários de zonas rurais afastadas, onde o serviço de internet pode ser ruim) e por comando de voz.

“Na Índia foi muito mais uma parceria público-privada supervisionada pelo Banco Central da Índia com a Associação de Bancos da Índia”, pontua Rocha”

PIX NA MIRA DE TRUMP

O governo americano anunciou em meados de julho uma investigação comercial contra o Brasil.

No documento divulgado pelo USTR, o órgão faz uma menção indireta ao PIX como um dos motivos. Segundo o relatório, um sistema “desenvolvido pelo governo” poderia estar prejudicando empresas americanas que atuam no setor de pagamentos.

“O Brasil também parece envolver-se em uma série de práticas desleais em relação aos serviços de pagamento eletrônico, incluindo, mas não se limitando a promover seu serviço de pagamento eletrônico desenvolvido pelo governo”, diz um trecho do documento que não elenca a quais práticas supostamente ilegais ele se refere.

Na avaliação de Thiago Aragão, diretor de estratégia da consultoria Arko Advice, grandes empresas de tecnologia dos Estados Unidos provavelmente observam com interesse os desdobramentos da investigação comercial que o governo americano abriu contra o Brasil, não só em relação ao PIX.

“O Brasil é um mercado altamente estratégico para essas empresas”, ele destaca, emendando que ele é um dos países do mundo que mais usa WhatsApp, que mais acessa o Google e consome Netflix.

Em seu artigo, Kempinsky pondera que os dados sobre transações com cartão de crédito mostram um quadro mais complexo sobre o impacto dos sistemas de pagamento instantâneo.

A inclusão financeira promovida pelo PIX e pelo UPI permitiram que os bancos ganhassem novos clientes e tivessem, com isso, um novo público para oferecer cartões.

Depois do lançamento do PIX, a taxa de crescimento anual composta (medida usada no setor, identificada pela sigla CAGR) quase triplicou, atingindo 31,7% entre 2020 e 2022. Segundo ela, movimento semelhante aconteceu na Índia com o UPI.

Fonte: Portal G1

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