quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Por que o câncer colorretal cresceu muito entre pessoas mais jovens

A cantora e apresentadora Preta Gil morreu aos 50 anos após complicações de câncer colorretal; No caso dela, o tumor foi descoberto em janeiro de 2023, quando tinha 48 anos

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Câncer de cólon — Foto: GettyImages/BBC

“Assustador”. “Preocupante”. “Problema global”. “Alerta mundial”. Esses foram alguns dos termos usados por médicos entrevistados pela BBC News Brasil para descrever o crescimento dos casos de câncer colorretal na população mais jovem, com menos de 50 anos.

No domingo (20), a cantora e apresentadora Preta Gil morreu aos 50 anos após complicações de câncer colorretal. No caso dela, o tumor foi descoberto em janeiro de 2023, quando tinha 48 anos.

Esse tipo de câncer, que afeta o intestino grosso (o cólon) e o reto, está entre os mais impactantes na saúde e na qualidade de vida. E, nas últimas décadas, uma tendência estranha chamou a atenção dos especialistas.

Em várias partes do mundo, os casos de câncer colorretal permaneceram relativamente estáveis entre os mais velhos — que proporcionalmente continuam a representar a maioria dos acometidos pela enfermidade.

No entanto, as taxas de casos desse tumor começaram a subir com rapidez entre indivíduos com menos de 50 anos.

“Se você comparar os números atuais com a taxa que tínhamos há 30 anos, alguns trabalhos chegam a apontar um aumento de 70% na incidência de câncer colorretal em pacientes jovens”, resume o oncologista clínico Paulo Hoff, presidente da Oncologia D’Or.

Essa diferença nas estatísticas já provocou algumas mudanças de saúde pública: nos Estados Unidos, um dos primeiros países a detectar o fenômeno, a idade mínima para a realização de exames preventivos que flagram o tumor colorretal precocemente (sobre os quais falaremos adiante) caiu de 50 para 45 anos.

No Brasil, alguns dados preliminares obtidos pela reportagem também apontam para um crescimento da doença numa idade precoce.

O que explica o fenômeno?

Para o oncologista Samuel Aguiar Jr., líder do Centro de Referência de Tumores Colorretais do A.C. Camargo Câncer Center, em São Paulo, os dados representam um “alerta mundial”.

“Vemos essa realidade no nosso dia a dia, e é assustador. Já virou normal ver pessoas jovens, de 35 ou 40 anos, chegarem no consultório com o diagnóstico desse tumor”, relata ele.

“Esse cenário preocupa, pois o impacto do câncer colorretal numa pessoa jovem é muito grande”, concorda Jácome, que também é membro do Comitê de Tumores Gastrointestinais Baixos da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (Sboc).

“Falamos de indivíduos que estão na idade de se estabilizar no emprego, de casar, de ter o primeiro filho… Ou seja, há uma série de sonhos que ainda não foram realizados.”.

Mas, afinal, o que explica esse cenário? Por que os tumores colorretais estão subindo tanto entre jovens, a ponto de chamar a atenção de especialistas do mundo todo?

“Existem algumas hipóteses e teorias, mas nenhuma delas foi confirmada até o momento”, responde Hoff.

“A primeira delas está relacionada à mudança dramática que ocorreu nas últimas décadas, em que nós saímos de uma civilização agrária e rural para uma sociedade predominantemente urbana. Isso alterou vários aspectos da vida, com o avanço de uma dieta baseada em produtos ultraprocessados, com menor presença de alimentos naturais, e mais sedentarismo”, contextualiza o médico.

“Se essa hipótese se confirmar, estamos diante de um quadro alarmante, uma vez que os produtos industrializados se tornaram a base da alimentação moderna, inclusive da merenda escolar das crianças”, comenta Aguiar Jr.
Sabe-se que o sobrepeso e a obesidade são fatores que estão relacionados a esse tumor — e os quilos extras são um problema que afeta cada vez mais pessoas.

Além dos aspectos que envolvem o estilo de vida, os pesquisadores também levantam outras suspeitas.

“Também não podemos descartar o impacto de algumas práticas, como o uso indiscriminado de antibióticos, seja diretamente para tratar as pessoas ou na produção pecuária, em aves e bovinos”, destaca Jácome.

Preta lutava contra quatro tumores diagnosticados no ano passado, em dois linfonodos, no peritônio (com metástase) e na ureter (Foto: Divulgação)

O QUE FAZER?

Como mencionado no início da reportagem, as mudanças nas estatísticas sobre o câncer colorretal nos EUA modificaram os programas de detecção precoce no país.

A partir de 2021, as autoridades americanas passaram a indicar a realização de exames preventivos para todo mundo com mais de 45 anos — antes, esses testes eram preconizados apenas para quem estivesse acima dos 50.

No Brasil, não existe nenhum esquema público de rastreamento do câncer colorretal (como a mamografia para o câncer de mama ou o papanicolau para o câncer de útero), mas o Inca está debatendo um programa específico para essa doença, que deve ser lançado nos próximos meses.

“Eu sei que essas discussões estão ocorrendo, porque temos notado um aumento na incidência e uma necessidade de rastreamento”, diz Cancela.
No caso específico desse tumor, existem dois testes principais que podem ser utilizados: o exame de sangue oculto nas fezes e a colonoscopia.

Como o próprio nome indica, a primeira opção investiga se há sangue no cocô de um indivíduo. Embora a presença do líquido vermelho ali não seja um sinal direto de câncer (pode ser um indicativo de uma úlcera mais simples, por exemplo), ela levanta um sinal amarelo para uma investigação mais aprofundada.

Já a colonoscopia envolve inserir pelo ânus uma cânula com câmera na ponta. Essa abordagem permite que o especialista visualize em tempo real o interior do intestino e detecte algo de anormal nas paredes desse órgão.

Durante esse procedimento, também é possível remover pólipos, lesões que podem se desenvolver e virar um câncer no futuro.

Mas qual dos testes é melhor?

Depende do ponto de vista.

“A colonoscopia é o exame padrão ouro, porque tem uma sensibilidade maior, ou seja, uma capacidade superior de detectar as lesões com acurácia”, aponta Jácome.

“Além disso, ela já é capaz de remover na mesma hora algumas dessas lesões”, complementa ele.

Mas existem alguns problemas aqui, como a baixa disponibilidade de equipamentos e profissionais capazes de fazer esse procedimento. Além disso, precisamos levar em conta que esse teste exige toda uma preparação, o indivíduo fica sedado por algumas horas e perde um dia de trabalho.

“É praticamente impossível para qualquer país do mundo implantar um programa de rastreamento do câncer colorretal baseado apenas na colonoscopia”, defende Hoff.

“O exame de sangue oculto nas fezes é baratíssimo, fácil de fazer e, se realizado uma vez ao ano, consegue detectar sinais precoces da doença, como sangramentos”, lista o oncologista.

“Mesmo nos grandes programas de rastreamento populacional da Europa, que oferecem gratuitamente a colonoscopia, a adesão das pessoas é baixíssima. Menos de 20% da população realiza esse exame com periodicidade”, calcula Aguiar Jr.

Seguindo essa linha de raciocínio, o que os especialistas propõem é basicamente um esquema de funil: o exame de sangue oculto nas fezes deveria ser indicado a todo mundo com mais de 45 anos, como uma espécie de triagem.

Aqueles que não apresentarem nenhuma alteração, estão liberados e voltam para um novo check-up daqui a um ano. Já os indivíduos que tiverem a presença de sangue no cocô devem ser encaminhados para uma avaliação mais aprofundada, com a colonoscopia.

Fonte: Portal G1

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