ESTADÃO CONTEÚDO
Com uma pergunta despretensiosa, Steven Tyler pode divagar por minutos e mais minutos a respeito de outras tantas coisas — e talvez jamais responder àquilo que lhe foi questionado em primeiro lugar.
E tudo bem. No caso daquela ligação com o vocalista do Aerosmith, o tema era a primeira turnê do Aerosmith no Brasil, em 1994, no momento no qual a banda, já veterana e com mais de 30 anos de estrada, se reergueu com o bem sucedido Get a Grip (1993).
Foi o primeiro disco deles a chegar ao topo das paradas de sucesso norte-americanas impulsionado pelas powerbalads Cryin’, Crazy e Amazing, canções certeiras para conquistar os jovens corações partidos que assistiam à MTV na época.
Em vez de falar sobre isso — ele o faria mais tarde, no mesmo papo telefônico —, Tyler preferiu lembrar de um voo que pegou durante a década 1970, quando percebeu que, sentados à sua frente, estavam Jimmy Page e Robert Plant, guitarra e voz do Led Zeppelin. E, a partir daí, derreteu-se com a capacidade da banda inglesa de absorver o blues norte-americano e transformá-lo em algo único.
Eles vão sair em turnê no ano que vem, não é? — diz.
O retorno do Zeppelin, a não ser que Tyler tenha uma fonte confiável, não está confirmado. Mas bandas mudam de ideia, não é? O mesmo pode ser dito do Aerosmith, por exemplo, que se apresentou em terras brasileiras no ano passado em tom de despedida. O grupo havia anunciado um “farewell tour”, uma “turnê de despedida” em tradução livre, e Joe Perry falava com desânimo a respeito do futuro da banda. Ao longo da entrevista, Perry deixava dicas de que a banda estava, mesmo, em vias de se aposentar. “Nunca podemos saber se determinado show será o último que fazemos naquele país”, disse. Ou também: “Não vou mentir ou fingir que isso não existe. Não posso ignorar o fato de que a banda não vai durar para sempre.” Ranzinza, o guitarrista dizia não querer “ser uma sombra do que já fui”. “O que quero dizer é que vamos tocar os shows como se fossem os últimos. Se for uma turnê de despedida, que seja. Estamos vivendo no limite há muito tempo”.
—A história da despedida do Aerosmith ficou para trás, garante Tyler. E a banda continuará, segundo seu vocalista, em frente por um tempo. Inclusive com uma nova viagem pelo Brasil. Serão quatro apresentações por aqui: em Belo Horizonte (Esplanada do Mineirão, dia 18), Rio de Janeiro (Rock in Rio, dia 21), São Paulo (no festival São Paulo Trip, no Allianz Parque, dia 24) e Curitiba (Pedreira Paulo Leminsky, dia 27).
— Estar no palco é o que mais gostamos de fazer. Estamos tentando nos tornar a última banda a permanecer em pé — brinca.
E há alguma razão nisso, mesmo. O Aerosmith segue junto a 47 anos, algo bastante invejável. — O fim nunca chegará ao Aerosmith. Assim que falamos da história da despedida, percebemos que estava errado. Enquanto aguentar estar cantar Dream On e Don’t Want to Miss a Thing, vou fazer isso.
Tyler é o oposto de Perry, disposto e ligado à conversa. O vocalista é uma máquina de contar histórias, mesmo que às vezes se perca e erre uma data ou nome — e, sempre que necessário, pede ajuda à uma assistente que fica ao seu lado enquanto dá entrevistas por telefone. É o que opõe Perry e Tyler, no modo de ver a vida, que já os colocou em conflito algumas ocasiões — após uma briga, em 1979, por exemplo, Perry deixou a banda e Tyler diz, em sua autobiografia, que demitiu o colega. Na entrevista, ele se derrete pelo amigo.
— Me mata ver como ele toca essas músicas no palco.
Tyler se tornou uma figura midiática. Em 2009, assumiu o posto de jurado do programa American Idol, um reality show musical de sucesso mundial. Foi a proximidade com um ambiente de mais cantores que ajudou a formar a ideia de lançar um disco solo depois de quatro décadas com o restante do Aerosmith ao seu lado. We’re All Somebody from Somewhere saiu no ano passado e tem uma clara mensagem política.
— Somos todos imigrantes, não é? — explica o músico cujo nome de nascimento é Steven Victor Tallarico, sobrenome que não esconde a ascendência italiana.
O disco, com roupagem country, foi criado na companhia de Jaren Johnston, um músico de southern rock de quase metade a idade de Tyler.
— Era divertido ficar no estúdio. Passávamos os dias tomando café e falando bobagens — lembra. — Cresci ouvindo os Everly Brothers e aquelas harmonias de banjo. E, no fundo, eu queria era saber se eu conseguiria fazer. Como músico, eu queria me testar. É como quando você vai jantar e pode decidir se quer comida italiana, japonesa, sabe? E, pense só, (a música) Cryin’ é um country.
No Instagram, Tyler deixa de ser o rock star inacessível e se aproxima dos fãs. Ele compartilha, com 1,3 milhão de seguidores, alguns momentos de bastidores, como quando ele aparece em uma foto dormindo sobre a asa de um avião ou quando faz um post (com letras maiúsculas) para homenagear o aniversário da filha Liv Tyler.
— É uma loucura esse mundo novo, né? — ele diz. — Está mudando a humanidade. Acho interessante, mas às vezes é um pouco invasivo, não é?”
Ao fim de 20 minutos de entrevista, Tyler foi e voltou no tempo e no espaço. Sobre a banda, entende que é preciso mantê-la no palco, afinal “é como estar em um casamento.”
— E é incrível estar ao lado desses outros caras com quem dividi a minha vida. Lembro de quando éramos jovens e fomos morar juntos, em Boston. Fazíamos tudo junto. Escrevíamos canções, usávamos drogas, transávamos com garotas juntos.
Por fim, o papo precisa ser encerrado.
— Sou italiano — ele se justifica pelo jorro de palavras por minuto. — Falo muito e alto —conclui, antes de se despedir com um alongado “see you laaaater.”