Mauricio Roberto Lemes Soares (EA)*
Enganam-se aqueles que pensam que uma cidade não “conversa” conosco. Que ela “grita”, todos já sabemos. Os buzinaços, pancadões, e vendedores ambulantes – topo da lista griteira – nos lembra disso cotidianamente. Mas, muitas vezes, esquecemos que ela também nos acalanta, nos faz refletir e nos leva para bem longe da confusão mundana. Uma pitada de atenção com outra boa medida de desprendimento faz com que a percebamos de forma diferente. Os seus muros estão a “falar”.
A utilização do “picho” como forma de expressão já acontece há alguns milênios. As pinturas rupestres de nossos antepassados ajudam-nos a compreendê-los no geral bem como entender as suas relações com o mundo à época. Com o passar do tempo, o que aconteceu foi apenas o aperfeiçoamento natural da matéria-prima juntada ao aumento do poder de abstração dos seres-humanos.
Nesse sentido, no mundo contemporâneo, duas vertentes do picho são comumente encontradas: a Pichação e o Grafite. Este é arte, “diurna” e amigável; aquela uma bagunça, “noturna” e subversiva. É uma discussão sem fim, campo de batalhas ideológicas. Atualmente, acompanhamos a administração do atual prefeito de São Paulo, João Dória, na luta hercúlea para “limpar” a cidade de suas manifestações murais. E nessa toada, famosos grafites de artistas de renome como os Gêmeos, famosos pelo mundo tudo, tem tido um destino apocalíptico.
Há algum tempo, em Dourados, um pichador – ou pichadora – sob o pseudônimo “Café”, tem deixado várias mensagens pelas paredes da cidade. Tornou-se bem conhecido em pouco tempo e suas ações passaram a permear as discussões no dia-a-dia.
Em que pese a ilegalidade da conduta perpetrada pelos pretensos “poetas urbanos”, inegável que suas inscrições muros afora nos trazem boas doses de reflexão. Em alguns despertam a indignação pelo uso, irregular sim, dos espaços, sejam eles públicos ou privados. Em outros, a simpatia pela figura transgressora, mas lúdica, do pichador. Até porque, o tal Café não escreve bobagens. Não são autorais nem inéditas, muitas delas, já vimos nas páginas do Facebook ou Instagram. Mas, de qualquer forma, não são disparates, e podem ser visualizadas por um público que ainda não caiu nas redes sociais.
São frases que despertam a atenção, a reflexão e, porque não, despertam nossas almas e nossos espíritos e nos fazem olhar para dentro de nós mesmos!
Uma particularmente me chama a atenção: “você está onde gostaria de estar?”. No mínimo, nos sacoleja! Isso, se a alguns não perturbar, não incentivar, não despertar para a busca de outros rumos, outros caminhos e direções.
O fato é que o “borrar” de um muro, ainda que ilícito, sai com uma demão de tinta, diferente das transgressões bem mais sérias e de efeitos muito mais nefastos que têm inundado todos os cantos, para além de qualquer muro.
(*) Professor de História
E-mail – mauricioferrinho@msn.com